terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sozinhos, pais cuidam os filhos em casa.


Por Marcela Rodrigues silva (Agência Estado)
É um dia normal. São 5h30 da manhã e o técnico em telecomunicações Adriano Ignácio, 38 anos, já está de pé. Ele arruma Júlia, 7 anos, e a leva à escola. Trabalha em casa até as 11h, quando sai novamente para buscá-la. De volta, continua o serviço até as 15h, momento de levar Arthur, 5 anos, para o colégio. Às 21h, coloca todos para dormir. Até chegar a esse estágio, todos já gastaram muita energia juntos, brincando.
A maratona do paulistano, separado desde 2005, o torna parte de um grupo de homens que, mesmo lentamente, desponta na sociedade com a responsabilidade de prover o lar e também de cuidar dos filhos.
A nova estruturação familiar é analisada pelo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, de 2009, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que, embora os núcleos do tipo "mulher com filhos" sejam a esmagadora maioria e aqueles chefiados por mães tenham tido um aumento significativo na última década, chama atenção o pequeno - mas "relevante" - crescimento do número de famílias monoparentais masculinas (sem a presença física da mãe): de 2,1% em 1993 para 3% em 2007, dentre o total de casas chefiadas por homens.
Mas a tarefa de "pãe", como diriam alguns, não é fácil. Adriano admite que, mesmo tendo praticado com sobrinhos e os filhos ainda quando casado, não foi fácil assumir integralmente a responsabilidade sobre as crianças. "Sempre participei de tudo antes mesmo da separação e consegui a guarda sem dificuldades. Passei a trabalhar em casa para controlar a rotina deles", explica. "Eles demonstram orgulho quando vou a reuniões escolares. É muito bom ser pai."
Hoje, Adriano mora com os dois filhos, a mãe de 80 anos e a irmã de 56. As noites, ele passa na casa da namorada, mãe de seu filho caçula, Davi, 10 meses. "As professoras se espantam e questionam se dou conta. Garanto que dou e não reclamo."
PRAZER
O advogado Eugênio Palazzi, 41 anos, é pai dos gêmeos Gianmarco e Francesca, 10 anos. Com a guarda das crianças desde a separação, há três anos, ele faz tudo, mesmo tendo empregada. "Levo ao cabeleireiro, compro roupas de menina, acompanho nas práticas esportivas, levo para viajar e encontro tempo para brincar", conta. No meio desse corre-corre, ainda arruma tempo para jogar videogame no horário de almoço.
Palazzi diz que ajudava mesmo quando era casado. "As necessidades é que eram diferentes. Ninava as crianças quando elas acordavam no meio da noite, dava mamadeira, trocava fralda", conta. "Jamais abriria mão desse contato com eles. E eles também não deixariam de morar comigo. A mãe deles tem a liberdade de vê-los quando e onde quiser, inclusive na minha casa", garante.
SEPARADO, MAS PRESENTE

O ator Marcello Novaes é pai de Pedro, 13 anos, fruto do relacionamento com a atriz Letícia Spiller, e Diogo, 15, com a atriz Sheila Beta. Na casa do ator, cada garoto tem seu quarto. Juntos, pai e filhos praticam judô, estudam música, conversam, programam momentos de lazer, almoçam e fazem planos. A rotina é quase a mesma nas casas das mães dos meninos. Marcello tem um acordo similar à guarda compartilhada, geralmente definida com processo judicial. Mas a boa relação entre o ator e as ex-mulheres bastou para que a Justiça nem precisasse ser acionada. E não é só presença para lazer e fim de semana. No dia da entrevista à reportagem, por exemplo, o ator acabara de analisar o boletim de Pedro. "Recebo os avisos da escola para também ficar ciente de como eles estão", diz ele.
Engana-se ainda quem pensa que esse relacionamento surgiu após todos estarem crescidos. A separação aconteceu quando Diogo tinha apenas seis meses e Pedro, 2 anos. O que não fez o ator fugir das fraldas e choros noturnos. "Nunca tive motivo para me distanciar", conta. Sem necessidade de regras para dias e horários, pai e filhos ficavam juntos e, muitas vezes, sem babá ou qualquer figura feminina. Nesta época, Marcello trocou fralda, colocou para dormir, deu comida.
Recentemente, os meninos deixaram de dividir o quarto na casa do pai. "É que eles estão crescendo e precisam de privacidade", diz o ator. Famoso, pai de dois filhos, duas ex-mulheres. O que é um fardo e alvo de polêmicas para alguns homens, é motivo de orgulho para Marcello. Ele já foi questionado, inclusive, sobre como consegue se dar bem com as duas ex-mulheres. O ator não entrega a fórmula, mas dá uma dica quase óbvia. "A grande sacada para essa partilha saudável da criação dos filhos é o respeito mútuo entre o ex-casal. E, claro, boa vontade por parte de todos. O casamento acaba, mas o respeito e a amizade podem permanecer, e é bom quando isso ocorre", diz.
Pai e filhos nunca ficaram mais de vinte dias sem se ver, mas agora Marcello tem que lidar com a saudade. De férias, ele está em Londres, onde ficará durante três meses estudando inglês. "Somos muito parceiros".
MÃO DUPLA
Para o juiz Marco Aurélio Paioletti, da 2ª Vara da Família do Fórum João Mendes Júnior, ainda que os homens estejam lutando mais hoje pela guarda de seus filhos do que há uma década, as mães não estão abrindo mão de ter suas crias por perto. A psicóloga clínica Tamara Brockhausen, mestranda em psicologia jurídica pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que a maior presença paterna na criação dos filhos não é consequência da pós-separação, como no caso de Eugênio, Adriano e tantos outros "novos pais".
Ela destaca que hoje, os pais casados também estão se inserindo nos cuidados com os filhos. E quando acontece a separação, eles não querem abrir mão da relação direta com os filhos. Segundo ela, os homens estão percebendo que as atividades até então rotuladas como maternas não são exclusividade feminina. "Na prática, eles descobrem o quanto é bom e possível. Eles podem se sair bem nesse papel tanto quanto uma mulher".
Para a psicóloga Thais Szterling Rosenthal, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, pais e mães precisam ser mais racionais no momento de separação. Ela explica que, no psiquismo da criança, cada um tem seu papel e não pela função de pai ou mãe, mas pelo vínculo criado na relação. "Por isso, é importante ter carinho e fazer com que a criança se sinta confortável. O importante é que a preocupação seja com a vida da criança, e não com os desejos dos pais", conclui.
Ele ainda recebe presente no Dia das Mães
O apresentador Ronnie Von experimentou a posição de pai solteiro em meados da década de 70, auge de sua carreira. Em um acordo com a ex-mulher, ele passou a cuidar de Alessandra e Ronaldo, na época com 6 e 5 anos (hoje com 38 e 39). "Mesmo com empregadas, eu fazia questão de participar de tudo. Aprendi a cozinhar, lavar, passar e arrumar. Até comprava lingerie para minha filha", conta o apresentador, que hoje vive com a atual mulher, Cristina, 55 anos, e o filho mais novo, Leonardo, 23. "Hoje as coisas estão mais fáceis. Mas o homem que não souber lidar com o universo feminino vai se perder", afirma Von que, para compreender melhor a filha, fez até curso de fisiologia feminina. "Soube lidar com o preconceito e, hoje, quando olho para eles, vejo o quanto valeu a pena. Eu ainda recebo presente de Dia das Mães", gaba-se o galã, apelidado de "mãe de gravata".
Pai solteiro
O servidor público Gilberto Semensato, 45 anos, optou por uma produção independente. Em março de 2008, ele deu início ao processo de adoção de Ana Luiza, hoje com 2 anos e 10 meses. "Tinha certeza do meu desejo, das renúncias. Mas não julgava que os encargos de pai solteiro fossem pesados. Cada fase da minha filha é um desafio", conta o servidor, que mora com a bebê e a mãe de 86 anos.
A história de Semensato traz uma boa notícia aos futuros pais solteiros. Depois de algumas tentativas negadas, ele conseguiu na Justiça uma espécie de licença-maternidade, de 90 dias. O benefício foi concedido a ele pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em Campinas. "Usei o argumento contido na Constituição Federal de que 'todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza'. Não se tratava de luxo ou uma forma de burlar o trabalho, mas um direito igualitário para atender ao princípio de prioridade às necessidades da criança", conta.
Para assistir:
- À PROCURA DA FELICIDADE (2006) - Depois que a mãe de Christopher (Jaden Christopher Syre Smith) decide partir, Chris Gardner (Will Smith) torna-se um pai solteiro. Com dificuldades financeiras e apoio, ele luta por um emprego melhor.
- O CAMPEÃO (1979) - Billy Flynn (Jon Voight) é um ex-campeão do boxe que agora está na pior. Seu filho, T.J. (Rick Schroder), porém, acredita no potencial do pai, sabe de sua situação atual, mas não deixa de afirmar que ele é seu eterno campeão.
Para ler:
- DIÁRIO DE UM GRÁVIDO (Renato Kaufmann) - Com humor sincero, o livro aborda os percalços da gravidez do ponto de vista masculino. Do pânico da primeira notícia, passa pelo ultrassom, o nascimento do bebê e mais um pouco.
- CENAS DA VIDA DE UM PAI SOLTEIRO (Tony Parsons) - Um homem é abandonado pela mulher, perde o emprego bem remunerado e se vê sozinho com seu filho. Depois de muito sofrimento e aprendizado, sua mulher reaparece e reclama a posse do filho.

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