domingo, 26 de dezembro de 2010

Crianças são usadas pelos pais no divórcio, dizem juristas.


Joanna, de 5 anos. Vítima de uma disputa insana e Alienação Parental.

Pais que se dizem vítimas da alienação parental contaram histórias ao G1.
Mariana Oliveira, Cintia Paes e Mylène Neno Do G1, em São Paulo, em Belo Horizonte e no Rio
O que é alienação parental?
A lei 12.318/2010 considera alienação parental “a interferência na formação psicológica” para que a criança “repudie genitor” ou “que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos”.

O que a lei cita como exemplos de alienação parental?
- Realizar campanha de desqualificação do genitor
- Dificultar o exercício da autoridade parental
- Dificultar contato da criança ou adolescente com o genitor
- Dificultar a convivência familiar
- Omitir ao genitor informações relevantes sobre a criança ou adolescente (questões escolares ou endereço, por exemplo)
- Apresentar falsa denúncia contra o genitor para dificultar a convivência
- Mudar de domicílio sem justificativa para dificultar a convivência
O que muda caso haja constatação de alienação parental?
Se o juiz declarar indício de alienação parental a ação passa a ter tramitação prioritária e o juiz determinará medidas para preservação da integridade psicológica da criança. É preciso laudo de perito judicial ou equipe multidisciplinar que constante a alienação parental.

Quais as medidas que podem ser adotadas pelo juiz?
- Advertir o alienador
- Ampliar a convivência familiar em favor do genitor prejudicado
- Estipular multa ao alienador
- Determinar alteração para guarda compartilhada ou inverter a guarda
- Determinar a fixação do domicílio da criança ou adolescente
Nos processos de divórcio quando não há consenso, a maioria dos pais acaba usando os filhos para tentar prejudicar o ex-parceiro, segundo magistrados consultados pelo G1. Essa prática passou a ser formalmente vedada no Brasil nesta semana, quando foi sancionada a Lei da Alienação Parental.

O texto da lei foi publicado no “Diário Oficial da União” desta sexta-feira (27) – clique aqui para ver – e altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei considera alienação parental “a interferência na formação psicológica” para que o filho “repudie genitor” ou “que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos”.

Conforme os magistrados ouvidos, em quase todos os processos de divórcio litigiosos com filhos que tramitam na Justiça, um dos pais comete a alienação. Ela ocorre em alguns casos de forma mais leve com frases como “Seu pai atrasou o pagamento da pensão” ou “Sua mãe não deixou eu falar com você ontem” e, em outras situações, é mais grave, com falsas denúncias que acabam provocando a suspensão do convívio da criança com o pai ou a mãe.
Na avaliação da juíza Brigitte Remor de Souza May, diretora da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), a maioria dos casais não consegue “isolar” a criança após a separação. “A maioria dos casais não consegue resolver e preservar a criança. Acaba fazendo comentários ‘Teu pai é isso’, ‘Não trouxe sua roupa’, ‘Atrasou para chegar’. O ideal é que o casal consiga resolver seus problemas sem envolver a criança, de forma adulta. A maioria dos casais talvez não consiga.”
A maioria dos casais não consegue resolver e preservar a criança. Acaba fazendo comentários ‘Teu pai é isso’, ‘Não trouxe sua roupa’, ‘Atrasou para chegar’. O ideal é que o casal consiga resolver seus problemas sem envolver a criança, de forma adulta. A maioria dos casais talvez não consiga”
juíza Brigitte Remor de Souza May, diretora da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP)
O juiz Antônio Peleja Júnior, da 1ª Vara da Família e Sucessões de Rondonópolis (MT), diz que, dos processos que acompanha, em “pouquíssimos casos os pais têm maturidade de respeitar os direitos da criança”. “A alienação sempre existe em menor ou maior grau. A separação deixa mágoas e pai ou mãe passa a tratar a criança como exclusividade sua. (…) Essa nova lei é importante porque descreve quais medidas o juiz deve adotar e traz mais segurança para tratar casos como esse.”
Presidente da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), Analdino Rodrigues Paulino afirmou ao G1 que a lei deixa claro que “o filho não pode ser usado como mercadoria de troca no encerramento da relação conjugal”.
Segundo o presidente da Apase, dados do instituto Datafolha indicam que 20 milhões de crianças e adolescentes de até 17 anos (quase um terço das pessoas nessa faixa etária no país) são filhos de pais separados. Desses 10 milhões são filhos de pais com separação litigiosa, conforme a Apase. “Esses 10 milhões sem sombra de dúvida sofrem com a alienação parental porque litígio é fogo cruzado e a criança acaba sendo usada.”
Ele afirma que é mais comum que o genitor que tem a guarda cometa a alienação parental. “O mais comum de acontecer é com quem detém a guarda. Você que tem a guarda convive 26 dias no mês com a criança. Quem não tem a guarda tem um final de semana alternado, quatro dias por mês. É mais fácil alienar a criança quem fica mais tempo”, diz. Segundo ele, em mais de 95% dos casos a guarda é da mãe.
O projeto sancionado é de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). De acordo com o parlamentar, várias entidades apresentaram propostas para a lei, que foram aproveitadas na proposição votada no Congresso. “Essa lei foi um fruto de muita discussão e representa um pleito da sociedade”, afirmou ao G1.
O deputado, que foi juiz e desembargador, concordou que a alienação parental é comum em processos de divórcio. “Quando o divórcio é conflituoso sempre há esse problema de ter efeito sob a criança.”
Casos reais

Um dos casos de maior repercussão em que a alienação parental foi foco das discussões durante a disputa judicial em relação à guarda terminou de forma trágica. A menina Joanna Cardoso Marcenal Marins, de 5 anos, morreu em 13 de agosto após ficar quase um mês internada em coma em um hospital do Rio –, os pais da criança disputavam sua guarda há mais de três anos.
A polícia investiga a hipótese de a criança ter sofrido maus-tratos. A mãe acusou o pai de maus tratos na Justiça, mas ele negou.
De acordo com a juíza Cláudia Nascimento Vieira, da 1ª Vara de Família de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, os estudos psicológicos realizados no processo da menina Joanna apontaram que houve alienação parental e concluíram pela “necessidade de restabelecer com urgência o convívio da criança com o pai por curto período, sem a interferência da mãe”. Além disso, ainda segundo a magistrada, nada questionava a permanência da menina com o pai.
Na avaliação da magistrada, que lamentou a morte da menina, se os alegados maus-tratos por parte do pai forem confirmados, será uma “surpresa”, pois “até o momento, não havia prova disto nos autos do processo que tramita neste Juízo de Família”. Ela não quis dar mais detalhes sobre o processo porque ele corre em segredo de Justiça.
Em Belo Horizonte, e um professor e suas duas ex-mulheres disputam a guarda das filhas na Justiça. O pai entrou com ação de guarda compartilhada das duas filhas com a primeira ex-mulher e pede a guarda permanente da filha do segundo casamento. Nos dois casos, a alegação do homem é a alienação parental.
“Eu acho que, infelizmente, a Justiça é muito machista. A mulher tem sempre preferência. A mãe tem sempre preferência. E por ela ter preferência, acaba fazendo o que ela quer. E acabam usando as crianças contra os maridos. Lógico que não são todas as mães assim. Existem casos de pais que fazem isso, mas o que prevalece são as mães. Nós temos que mudar essa história de visita, de o pai ter direito a visita. O pai tem que ter direito à participação. Ele não pode ser o pagador de alimento”, diz o professor.
A primeira ex-mulher diz que, na verdade, foi o ex-marido que abandonou as filhas, uma delas com três meses de vida. Ela diz que é o marido que tenta colocar as filhas contra ela. “Ele pega a gente (a ex-mulher) por tabela. Ele nos atinge pelas crianças. A minha filha mais velha voltava do fim de semana com muita raiva de mim”.
Sobre a segunda ex-mulher, o professor alega que ela mudou de cidade e levou a filha deles sem permissão. A mulher diz ter provas contra o ex-marido de alienação parental. “Depois que eu resolvi separar do meu marido, levei uma cartilha sobre alienação parental para a escola da minha filha e, lendo, percebi que ele estava seguindo a cartilha à risca. Ela ficou com ódio de mim do nada. Não gostava da minha família, dizia que eu não tinha dinheiro. Tudo o que o pai mandava ela falar”, diz.

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