terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

"Filho, vai subir?" - " Não, pai. Vim só pegar o cheque."

Por Silvia Mariano

Depois que escrevi o artigo “Pai só no contracheque” (Opinião, sábado, 21/11, pág. A2), presenciei um fato lastimante. Num condomínio, um filho toca o interfone do apartamento do pai. Ele atende e pergunta: “Filho, você não vai subir”? “Não, pai, só vim buscar o cheque”, respondeu o adolescente.

O pai veio à portaria e entregou-lhe o cheque contendo o valor da mesada. O menino o recebeu e imediatamente e foi embora. Enquanto aguardava que me atendessem ali, o pai olhou para mim e disse: “Pai do dia dez, único dia em que sou lembrado por meu filho”.

E continuou: “Pior do que vir aqui só para entregar o dinheiro é encontrá-lo no elevador pensando que fosse me visitar e ouvir ‘Não pai, vou ao apartamento do Nando? é receber convite de casamento da filha com data errada”.

Com olhos de saudade não matada e humor não confundido, manifestou-me sua ‘dor doída’, não consolada e desprendida de paternidade não vivida, desolada e incompreendida, relutante diante da muita empáfia com que veio o filho desprezante: “Não pai, só quero o cheque”. E acrescentou: “Isso é ser pai só no contracheque”.

Na tentativa de não banalizar a tristeza daquele pai disse a ele que dar mesada ou pensão não são apenas obrigações, mas revelam também a faceta de um pai que tem amor e respeito por seu filho.

E prosseguiu: “Geralmente, quando há separação o pai só é reconhecido se o filho for vítima de maus-tratos ou se a mãe for prostituta. Do contrário, só é visto e lembrado como caixa dois. Veja meu caso. Sempre dei pensão, mesada, educação, moral e ética. Carinho também não faltou. E o que ganho? De alguma forma, querem nos punir pela separação.

Hoje chamam a isso de síndrome. Resolveram acordar e o desprezo no seio de uma família desfeita agora tem nome: alienação parental. A Justiça chegou tarde para alguns, pois um vínculo perdido jamais será reconstruído. Nada pior do que ter minha existência ignorada por meu filho. Que me perdoe Vinícius de Moraes, mas, para mim, ter filhos é fundamental, ainda que sejam sinônimos de noites mal dormidas. Sou pai por direito. Quero tê-los!”

Enquanto pensava complacente à razão daquele homem, olhei para o comiserado e disse que não estava só. Também conheço quatro homens que têm servido de escudo a quatro mulheres muito ordinárias. Ouça. Uma parte de mim não acredita que um ex-funcionário público federal, homem honroso, que após 30 anos de respeitado serviço, disse adeus a seu trabalho, deixando-o de cabeça erguida e hoje quase não acredita em certas deliberações do judiciário.

O mesmo digo de um aeronauta civil. Custa-me a crer que aquele homem espirituoso, que saiu do anonimato e faz cultura, parou de brincar, parou de ralhar, parou de comandar, deixou de ser o chefe daqueles filhos. Não quero contar minhas angústias a você.

Estendo meus porquês ao excelso Moisés, homem de pensamentos altos. E quando volto para terra, pergunto-me como ele se sentiria em tempos de síndrome ao ver a tão disseminada e contrária prática de “não dirás falso testemunho contra teu próximo” e “honrarás pai e mãe”. Provavelmente, ele diria: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Ou seja, dai ao pai o que é do pai.

Ou este terá sempre de pedir licença para participar da vida dos filhos? Em tempos de crises, de inversão de valores moral, ético e princípios familiares, ser pai é padecer no paraíso. Ainda assim, muitos não querem abdicar deste cálice, querem sim ser pais.

Se há o pai só de contracheque, nos aspectos positivo e negativo, há também, nesses notáveis autos, pais benfeitores, protetores. Ah, Pilatos, absolva-os! Não prefira novamente Barrabás. Que não seja o contracheque o pai de nossos filhos.

(Publicado originalmente no jornal DIÁRIO DE MARINGÁ)

http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/235070/

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