terça-feira, 2 de março de 2010

Pai acusado falsamente de abusar do filho receberá indenização de R$ 25 mil

7a Câmara Cível
Apelação nº 0004160-83.2007.8.19.0207
3a Vara Cível da Regional da Ilha do Governador -Comarca da Capital
Apelante: CONCEIÇÃO RIBEIRO DA SILVA
Apelado: RICARDO LUIS FRANÇA
Relator: Des. RICARDO COUTO DE CASTRO
AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA
INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL
FUNDADO EM FALSA IMPUTAÇÃO DE
CRIME DE ABUSO SEXUAL CONTRA O
PRÓPRIO FILHO E DO
DESPROPOSITADO AJUIZAMENTO DE
AÇÃO DE SUSPENSÃO DE PÁTRIO
PODER UTILIZANDO-SE DESTE
FUNDAMENTO – DEMONSTRAÇÃO DE
NOTÍCIA DESVIRTUADA E
INCOMPATÍVEL COM A VERDADE DOS
FATOS -DANO MORAL CONFIGURADO.
1-Preliminar de nulidade da sentença, por
violação ao princípio da identidade física
do juiz, afastada.
2-Demonstrado nos autos a imputação
leviana, por parte da genitora do menor,
de prática de crime de abuso sexual pelo
pai da criança, com o objetivo de afastá-lo
de sua convivência.
3-Abuso no direito de informar às
autoridades competentes a possível
ocorrência de delito, bem como do direito
de ação, que atingiu, inegavelmente, a
reputação do Autor, configurando dano
moral indenizável, que, no caso, foi bem
mensurado, não merecendo modificação.
4. Recurso a que se nega seguimento,
nos moldes do art. 557, caput, do CPC.

RICARDO LUIS FRANÇA, qualificado na inicial, propôs a presente
demanda em face do CONCEIÇÃO RIBEIRO DA SILVA, objetivando
reparação moral por ter sido falsamente acusado de prática de abuso
sexual em seu filho.

Como causa de pedir, sustenta que a ré, com quem manteve
relacionamento amoroso, envidou esforços no sentido de imputar ao
mesmo a prática de crime de abuso sexual em face do filho, havido da
relação que tiveram, com o fim de afastá-lo de sua convivência.

Aduz que após a visitação ocorrida no dia 17/04/2005, que se deu
por força de determinação judicial, a ré, com o propósito de denegrir sua
imagem, se dirigiu ao Hospital Geral de Bonsucesso, alegando que seu
filho teria sido vítima de abuso sexual por seu pai, em decorrência de
uma assadura no pênis.

Acrescenta que, após o mencionado atendimento hospitalar, a ré
levou o menor ao IML, para realizar exame de corpo de delito e também
se dirigiu à 21º DP, promovendo Registro de Ocorrência sobre o fato.
Relata que a ré ainda ajuizou na vara de família ação de
destituição de pátrio poder, onde restou demonstrada a sua intenção em
difamá-lo, com o fim único de que não mais tivesse contato com o filho,
bem como lançou mão de processo criminal contra si, que foi arquivado,
sob o mesmo entendimento.

Acrescenta que o Exame de Corpo de Delito realizado no menor
comprovou a não ocorrência da violência e que as provas colhidas
demonstraram que as acusações feitas pela ré eram infundadas, mas
ainda assim, a ré tentou o desarquivamento do inquérito instaurado
contra si, junto ao Procurador Geral da Justiça.

Fundamenta o ajuizamento da demanda, por ter sido obrigado a
comparecer em sede policial, ao juízo de família e criminal, para se
defender das falsas acusações levantadas pela ré e por ter sido exposto
à prática de crime sexual contra seu próprio filho (fls. 02/09).

Sentença às fls. 239/243, no sentido da procedência do pedido,
condenando a ré a pagar a quantia de R$ 25.000,00, a título de
reparação moral.

Apelação da ré, às fls. 245/249, postulando, inicialmente, a
nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade física do
juiz. No mérito, pugna pela reversão do julgado, ressaltando que não
teve intenção de incriminar o autor, mas unicamente de levar o fato às
autoridades públicas. Na eventualidade, pugna pela redução do
quantum indenizatório.

Contrarrazões às fls. 262/269.
É o relatório.

O recurso interposto é tempestivo, e guarda os demais requisitos
de admissibilidade, de forma a trazer o seu conhecimento.
Passado este ponto, entra-se na sua análise.
A preliminar de nulidade da sentença, por violação ao princípio da
identidade física do juiz não vinga.

Como se sabe, o princípio da identidade física do Juiz, disposto no
art. 132 do CPC, visa a melhor solução da lide pelo julgador, porém, o
princípio em questão não é absoluto, eis que são excetuados pela lei as
situações de convocação, afastamento por qualquer motivo, promoção
ou aposentadoria do magistrado, casos em que seu sucessor prolatará
a sentença, dando solução à lide.
No caso, foi o que ocorreu.

A Magistrada, Dra. MARIA CHRISTINA BERARDO RUCKER,
juíza titular da 3º Vara Cível da Regional da Ilha do Governador à
época, e que presidiu a audiência de instrução, foi removida, assumindo
titularidade de outra vara.

Assim, não há que se falar em violação ao princípio da identidade
física do juiz, motivo pelo qual se afasta a preliminar de nulidade.
Ultrapassada esta questão, passa-se ao exame do mérito.
Examinando-se os autos, verifica-se que a ré/apelante não nega a
busca pela apuração de suposto crime de abuso sexual, que teria
vitimado seu filho, havido de seu relacionamento com o autor/apelado,
após o encontro deste com aquele no dia 17/04/2005, mas apenas não
considera que a procura às autoridades públicas tenha tido o condão de
causar dano de ordem moral ao autor.

Da análise do conjunto probatório delineado nos autos, note-
se que restou efetivamente demonstrado que a ré pretendia
desqualificar o autor por meio de falsa imputação de crime sexual contra
seu filho.
Note-se que a ré fez afirmações categóricas à médica que
atendeu o menor na noite seguida à visitação do autor, no sentido de
que este teria abusado sexualmente daquele, conforme se constata do
boletim de atendimento médico acostado às fls. 14/15.
Mas, não só.

Infere-se do mesmo documento que, apesar de a médica informar
a inexistência de lesão no menor, a ré insistiu na realização de laudo
médico, que não foi realizado, pela razão ora exposta.
Constata-se, ainda, que, apesar da ausência de constatação de
lesão por parte da médica responsável pelo atendimento do menor, a
autora o encaminhou ao IML para realização de Exame de Corpo de
Delito.

Não obstante isto, a autora procedeu ao registro da ocorrência na
21º DP, e da análise de sua narrativa em sede policial, evidencia-se
clara sua pretensão em conduzir o foco das investigações policiais ao
autor, uma vez que menciona que a lesão no pênis do menino apareceu
após passar a tarde com seu pai.

A notícia tal como disposta, se apresenta, inquestionavelmente, de
modo malicioso, deixando evidente a tentativa da ré em convencer as
autoridades acerca da autoria do suposto crime.

Ressalte-se que a ré ratifica suas declarações em sede policial,
quando chamada para depoimento (fls. 22/23), acrescentando a
ocorrência de mudança de comportamento da criança após seu
encontro com o pai, a indicar, sem sombra de dúvida, sua intenção em
dar continuidade às investigações policiais contra o autor.

Vale mencionar que o inquérito policial instaurado em torno do
relato produzido pela ré foi arquivado, e, não obstante, a ré provocou o
reexame da questão pelo Procurador Geral da Justiça (fls. 67/76).
Acrescente-se a isto o fato de que a ré ajuizou ação de suspensão
de poder familiar em face do autor, onde menciona, como uma das
causas de pedir, a suspeita de maus tratos por parte do pai da criança e
a constatação da mencionada lesão no corpo do menor (fls. 28/47).
Observe-se que neste processo restou demonstrada, pelo estudo
social realizado, a insistente recusa da ré em permitir que o autor
visitasse seu filho, o que só se tornou possível, por determinação
judicial (fls. 57), a justificar sua conduta em tentar desqualificar a figura
do pai da criança.

Veja-se, ainda, que no mencionado estudo social, vislumbrou-se a
possibilidade da suposta lesão ter origem em massagens de fimose feita
pela ré no menor (fls. 50 e 60).
Parece, pois, evidente o desejo da ré em denegrir a imagem do
autor, imputando-lhe falsa acusação de prática de abuso sexual, com o
objetivo de afastá-lo do convívio com o filho.
Conforme bem asseverado pelo julgador monocrático, todos os
profissionais envolvidos na apuração do fato atingiram a mesma
conclusão, de inexistência de indícios capazes de demonstrar a efetiva
ocorrência de violência ou maus tratos contra a criança, e de ausência
de provas da participação do autor.

Tem-se, portanto, por inverídica as informações prestadas pela ré,
eis que cria fato inexistente.
Assim, sua conduta constitui numa evidente demonstração de
abuso de direito, atingindo objetiva e subjetivamente a honra do autor.
Conclui-se, portanto, estar plenamente configurado o dano moral
sofrido pelo autor pela conduta ilícita da ré.
Constatado o cabimento da indenização moral, passa-se a
quantificação do dano.

No caso vertente, deve-se atentar para o fato de o autor ter sido
alvo de investigação policial, relativamente ao crime de abuso sexual em
seu próprio filho, assim como para o desvirtuamento da informação e a
conseqüente repercussão na vida do autor.
Logo, a indenização deve ser suficiente para compensar com
plenitude o mal praticado e representar verdadeira sanção civil, capaz
de desestimular a repetição de episódios semelhantes.

Neste contexto, tem-se que o valor dos danos morais – R$
25.000,00 -foi arbitrado com moderação, atentando-se para as
peculiaridades do caso vertente, a proporcionalidade, a lógica razoável
e os transtornos suportados pelo autor.
Pelo exposto, nega-se seguimento ao recurso, nos moldes do art.
557, caput, do CPC, mantendo-se na íntegra a sentença.

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2010.

RICARDO COUTO DE CASTRO
DESEMBARGADOR
RELATOR

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