Em 1966, a inglesa Constance Briscoe, então com 9 anos, chegou da escola exultante carregando um envelope marrom, que se apressou a entregar para a mãe, Carmem. Dentro dele, fotos que a menina havia tirado na escola. Ao olhar as imagens, Carmem repetia: “Jesus amado, eu que pus isso no mundo? Deus, como ela pode ser tão feia? Feia, feia... Você quer que eu compre essas fotos?”, perguntava à filha. Foi apenas uma das milhares de humilhações que a criança sofreu na infância. Ofensas como “vagabunda safada” foram constantes. Ela também era espancada por fazer xixi na cama, uma enurese que se manifestava justamente por causa do medo da violência materna. Socos na cabeça e no peito eram desferidos contra Constance e seus mamilos eram beliscados com força, sempre por motivos banais (ou sem motivo). A ponto de, aos 11 anos, ela tentar o suicídio bebendo água sanitária. Esse retrato de terror está no livro “Feia – A História Real de uma Infância sem Amor” (Ed. Bertrand), escrito por Constance, hoje uma renomada juíza. A obra, que já vendeu meio milhão de cópias em dezenas de países e tem tradução brasileira, é um exemplo de como aqueles que deveriam amar acima de tudo podem ser os algozes dos próprios filhos.
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“É como se houvesse uma confirmação para a pessoa de que ela não é boa o suficiente para receber afeto.” A postura dos pais tóxicos deixa graves sequelas, normalmente levadas para a vida adulta. As consequências são agressividade, dificuldade de aprendizado, rebeldia, timidez e um enorme sentimento de culpa. “Sempre que alguma coisa sai do controle, seja no trabalho, seja na minha vida pessoal, acho que o erro é meu”, diz a analista de sistemas M.N. (ela prefere não se identificar), 26 anos. Junto com os três irmãos cresceu ouvindo a mãe dizer que eram incompetentes, burros e que ela deveria ter abortado todos. Até começar a frequentar a casa dos amiguinhos da escola, M. acreditava que esse comportamento era normal. “Ela nunca me fez um cafuné”, recorda. O resultado da violência emocional para a jovem foi a síndrome do pânico, distúrbio com o qual conviveu por dois anos. Mesmo quando os pais alternam atitudes carinhosas e agressivas, o reflexo no desenvolvimento dos filhos é negativo. “A criança nunca sabe o que esperar e nem como agir”, diz o psicólogo Julio Peres, autor do livro “Trauma e Superação – O que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade Ensinam” (Ed. Roca). “Ela cresce num estado de alerta, o que causa uma ansiedade que se torna crônica.”
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